Peça aprofunda o debate sobre sobre os universos redpill, incel e o ódio contra mulheres que ganhou força após série “Adolescência”, da Netflix
Como nasce o ódio contra as mulheres? O que leva um jovem a transformar frustrações pessoais em violência extrema? Que silêncios sociais alimentam esse comportamento? Esses são alguns dos questionamentos provocados pelo espetáculo “O Anorak”. Em cartaz no Teatro Ziembinski até o próximo domingo 25 de maio, a peça apresenta o relato real de Marc Lépine, que assassinou 14 mulheres na Escola Politécnica de Montreal, no Canadá, em 1989, e lança luz sobre a misoginia como fenômeno estrutural.
Protagonizado por Daniel Chagas e dirigido por Sueli Guerra, o espetáculo dialoga com as questões recentemente levantadas pela série documental Adolescência, da Netflix, que escancara o universo dos fóruns incel e redpill — comunidades masculinas marcadas pelo ressentimento e pelo ódio contra mulheres. Em sua primeira montagem brasileira, o texto do autor canadense Adam Kelly Morton apresenta uma narrativa que, 36 anos depois, permanece atual diante do crescimento de comunidades digitais que reforçam esse discurso violento.

Um exemplo disso são os dados da pesquisa realizada pelo NetLab-UFRJ em parceria com o Ministério das Mulheres, que analisou 76,3 mil vídeos de 7.812 canais no YouTube — totalizando mais de 4,1 bilhões de visualizações e 23 milhões de comentários. O levantamento indica uma tendência de crescimento acelerado de conteúdos que disseminam discursos de ódio. O estudo identificou ainda 137 canais com conteúdos explicitamente misóginos, que juntos somam 3,9 bilhões de visualizações e, em média, 152 mil inscritos cada. Esses canais frequentemente utilizam estratégias de monetização como anúncios, doações e vendas de produtos, transformando a misoginia em um negócio lucrativo.
É nesse cenário, marcado pela popularização de comunidades com discursos violentos, que o texto se mostra tão atual. O projeto, idealizado pelo ator Daniel Chagas, optou por reunir uma equipe majoritariamente feminina: “Desde o início, eu sabia que só poderia ter uma mulher conduzindo a criação. A misoginia é um tema que diz respeito a todos, mas são as mulheres que sentem na pele. Ter a Sueli Guerra na direção foi fundamental, porque ela trouxe generosidade e firmeza para atravessar esse território tão delicado”, afirma Daniel.

Para a diretora, conhecida por trabalhos que exploram a relação entre corpo, emoção e cena, encarar essa montagem foi um processo difícil e, acima de tudo, necessário. “Encarar esse texto não foi tarefa fácil, não só para mim, mas para toda a equipe, que em sua maioria é composta por mulheres. Eu, por exemplo, sou mãe de menino, então isso tem um peso ainda maior”, diz Sueli.
Ela explica que não quis reforçar estereótipos, mas sim provocar o público a sentir profundamente: “É fundamental refletir sobre como — e o quanto — nós, enquanto sociedade, somos responsáveis por essa construção de homens inseguros, frágeis diante dos próprios sentimentos e incapazes de lidar com frustrações. Eles se tornam alvos fáceis para pensamentos e atitudes extremas, como os que a peça expõe”, declara.
A montagem não busca apontar culpados, mas ampliar a compreensão sobre esse fenômeno que atravessa classes sociais, culturas e fronteiras. “Quando li esse texto, percebi que ele tocava em uma ferida que o mundo insiste em ignorar. Esse tema não é uma página virada da história — ele persiste com força. Acredito que esta peça é um convite para refletirmos sobre como a misoginia é construída e perpetuada socialmente. Eu sonho com esse espetáculo rodando o país, chegando a escolas, comunidades e territórios onde o discurso de ódio também se espalha. É ali que a arte precisa estar”, finaliza Daniel.
Com 90 minutos de duração, e em cartaz de sexta a domingo, O Anorak se propõe a ser mais do que teatro: um convite incômodo e necessário à reflexão sobre as bases da convivência social.
SERVIÇO
Espetáculo: Anorak
Texto: Adam Kelly Morton
Atuação: Daniel Chagas
Direção: Sueli Guerra
Sextas e sábados: 20h
Domingos: 19h
Data: Até 25 de maio
Duração: 90 minutos
Teatro Municipal Ziembienski – rua Urbano Duarte, Tijuca (em frente ao metrô São Francisco Xavier)
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