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19/09/2024 20:44
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Os 100 anos da resposta histórica: Um marco para o Vasco e para o futebol brasileiro

Exatamente há 100 anos, no dia 7 de abril de 1924, o Vasco escreveu um dos capítulos mais marcantes de sua história, a Resposta Histórica. Por meio deste documento o time de São Januário se posicionou contra a decisão da então existente Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA), equivalente hoje a Federação de Futebol do Rio de Janeiro, de realizar um campeonato no ano de 1924 (equivalente ao Carioca) sem a participação de atletas segundo a associação, que fossem pagos para jogar futebol e não seus associados.

A questão é que os atletas que a AMEA pediu para o Vasco dispensar eram negros, pardos e de origem humilde, o que fez o documento ter conotação completamente preconceituosa.

O Vasco, que é um clube da colônia portuguesa, não empregava seus jogadores por uma questão progressista e também não foi o primeiro a ter jogadores negros (Bangu, Botafogo e Fluminense já tiveram antes) mas sua posição de recusa a ordem da AMEA foi um marco que é motivo de orgulho aos vascaínos.

A proposta da AMEA surgiu após o Cruzmaltino conquistar a edição 1923 da competição com a equipe que ficou conhecida na história como os Camisas Negras, justamente esse time formado majoritariamente por atletas negros, pobres e analfabetos.

“Essa façanha vascaína revoltou àqueles que monopolizavam os títulos e que comandavam o futebol na Liga Metropolitana de Desportos Terrestres [LMDT], principal associação de agremiações que praticavam esse esporte na então maior metrópole do Brasil. Nos primeiros meses de 1924, em resposta à ousadia do Vasco da Gama em formar uma equipe que representava a diversidade do povo brasileiro, ocorreu uma cisão que resultou na criação de outra liga, a AMEA. O Vasco foi convidado a participar dessa entidade e a princípio aceitaria entrar na nova liga. Porém, exigiram do clube que excluísse 12 [doze] jogadores de suas equipes, 7 [sete] do primeiro quadro e 5 [cinco] do segundo quadro, pois esses atletas estariam em desacordo com os ‘padrões morais’ necessários para a prática do futebol. Nossos jogadores eram vistos como os ‘indesejáveis’ do futebol”, diz o Vasco em texto publicado sobre o assunto neste domingo (7).

No entanto, o então presidente da equipe de São Januário, José Augusto Prestes, emitiu um comunicado no qual afirmava que o clube desistia de fazer parte da nova liga por não aceitar a exclusão de seus atletas: “Quanto à condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a diretoria do C. R. Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo por meio da qual foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa”.

O início de tudo

Em 1907, quando a Liga Metropolitana de Football (LMF) passou a se chamar Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), o jornal “O Fluminense” publicou a seguinte determinação:

“Communico-vos que a directoria da Liga, em sessão de hoje, resolveu, por unanimidade de votos, que não sejam registrados, como amadores nesta Liga, as pessoas de côr. Para os fins convenientes ficou deliberado que a todos os clubs felliados se officiasse nesse sentido, afim que scientes dessa resolução, de accordo com ella possam proceder” – 22 de maio de 1907.

A LMSA foi dissolvida no final de 1907 e uma nova liga surgiu no ano seguinte, sem proibição direta da participação de negros e pobres, mas com eles ainda sendo preteridos.

Vasco se posiciona contra preconceito no remo

Esporte soberano no Rio de Janeiro na virada do século 19, o remo norteou a fundação do Club de Regatas Vasco da Gama em 21 de agosto de 1898. O clube relata que, a partir de 1904, enfrentou o aumento da perseguição aos seus atletas – a maioria imigrantes portugueses e também brasileiros de baixa condição social, empregados como atendentes de balcão no comércio do Rio de Janeiro.

Em 1904, a Federação Brasileira das Sociedades do Remo aprovou medidas que deixavam mais rígidas as inscrições dos atletas no esporte, excluindo “os que exercem qualquer profissão ou emprego que não esteja de acordo com nível moral e social em que deve ser mantido o esporte náutico”. Em 1907, com a tentativa de impor regras ainda mais duras contra competidores inscritos nos últimos anos e, inclusive campeões, o Vasco se posicionou:

“A Federação saltando por cima d’essas qualidades e direitos, decretou a exclusão d’esses amadores que são, entre outras, os que exercem profissões em casas de seccos e molhados, confeitarias etc. A opposição a essa lei por parte da nossa representação foi titanica e apezar de vencidos pelo voto fomos vencedores, pois os legisladores victoriosos não tiveram a força precisa para a tornar em facto”.

Em 1917 surgiu a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), e o estatuto instituído trazia o analfabetismo como um dos principais impeditivos para um jogador ser inscrito. A ocupação do atleta, também. Por exemplo: “aquelles que exerçam profissões humilhantes que lhes permittam recebimento de gorgetas” não poderiam participar.

– No início do século 20, a maior parte da população brasileira era analfabeta, índice historicamente maior sobre a população negra do país – aponta pesquisa do historiador e coordenador do Centro de Memória CRVG, Walmer Peres.

O Vasco, até então um clube de remo, aderiu ao futebol em 1915. No ano seguinte, o clube se filiou à Liga Metropolitana para disputar a Terceira

Depois de uma estreia ruim no futebol, o Vasco encontrou em outras ligas, especialmente no subúrbio carioca, o caminho para se firmar no esporte que se tornava tendência no Brasil. O clube então deu oportunidades a vários jogadores oriundos de equipes pequenas e agremiações dos subúrbios.

Em 1920, o Vasco recebeu dois “Camisas Negras”, que seriam campeões de 1923: Arthur, do Hellenico Athletico Club, e Torterolli, do Carioca Football Club. Nos anos seguintes, mais atletas que fariam parte daquela equipe histórica foram contratados pelo clube. Em 1922, o time venceu a Série B da Primeira Divisão – no ano anterior, o campeonato havia sido dividido em dois. Um ano depois, o clube foi campeão carioca pela primeira vez.

Após o documento do Vasco negando a exclusão de seus jogadores, a AMEA, representada por Arnaldo Guinle, nome ligado ao Fluminense e com a anuência dos outros clubes respondeu dizendo que o Vasco deveria formar um clube essencialmente com jogadores da colônia portuguesa, num tempo onde só a elite e jogadores sócios dos clubes deveriam jogar. O Vasco ficou fora do Carioca de 1924 e só voltou a jogar em 1925.

O ingresso do Vasco na AMEA foi aprovado em tempo para o campeonato de 1925, com os mesmos direitos que os clubes fundadores. Os “camisas negras” obtiveram a terceira colocação na volta ao convívio com os principais clubes do Rio de Janeiro, em 1925, e conquistaram o vice-campeonato no ano seguinte. E a partir daí, o Vasco se tornou um dos gigantes do futebol brasileiro.


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Leonardo Brito
Leonardo Brito
Leonardo de Oliveira Brito é Jornalista. Participou de projetos como o CDD na Tela e da Agência Jovem de Notícias onde cobriu a Rio + 20, em 2012. Oficialmente começou sua carreira em 2013, no projeto Parceiros do RJ do RJTV na TV Globo. Em 2014 foi para o site SRZD onde cobriu os carnavais de 2015 e 2016 e depois, em 2018 e 2022. Também passou pelos sites Carnavalesco, Destino ATW e Na Tijuca e Eu Rio!, onde participou da criação do site. Criou o seu blog, em 2016 e em 2018 lançou o jornal online Gazeta do Rio. Também foi repórter do jornal A Tribuna, de Niterói.

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